05 novembro 2008

Silêncio

Quantas vezes o silêncio nos diz tanto que se torna uma opção para nos escusarmos a desembrulhar as ideias encadeadas?
Solução confortável para manter o apaziguamento da alma, não fora o vazio que o acompanha. Não me apetece gastar palavras, emitir sons, divulgar pensamentos e sentimentos. Compreendo toda a inutilidade de o fazer, consciente que embatem em muros constantes e frios.
Cansada de o perceber, dorida da sensação de inexistência, também não quero mais ouvir nada. Desisto de esperar pelo que queria ouvir ou por ser ouvida. Vedo os meus sentidos ao que não quero mais tornar a sentir.
Como um treino, adquiro a capacidade de cada vez menos me surpreender com as sensações que me transmitem, habituo-me à mágoa que cada vez menos me magoa.
Imagino-me uma pedra, rígida, fria, insensível, muda e imutável, à qual por vezes se arrancam umas lascas, mas permanece o seu âmago, o seu núcleo forte e impenetrável. Cada estilhaço que parte de mim perde significado, dispersa-se e dissipa-se. Reduz-se a pó com o tempo.
Sei que não volta a pertencer-me, a fazer parte da minha integridade que se altera e se recompõe em cada ataque, velado ou directo.
E apenas sinto o frio e o vazio que percorre cá dentro, o silêncio e o eco. O eco de mim. Lembranças de cada minha partícula que abandonei ao considerá-la tão acessória e dispensável nos momentos em que se fragmentava, sem ruído sequer. Esses rumores repudiados que preservo como lição de persistência.
Ficam sussurrantes dentro do meu vazio, preenchendo-o de quem sou. Não os grito, nem os solto da prisão que lhes construí. Pertencem-me, protejo-os zelosamente. Enquanto meus, valem o meu mundo e o meu ser. Partilhados, perdem-se na ironia do desprezo.
E assim, encerrando todos os meus clamores no acolhimento do silêncio que respeito, cultivo-o. Não mostro mais de mim, escondo-me, ainda.
Penso o silêncio como a ausência de assunto partilhado, ou como mutismo de perplexidade quando rompido. Como condicionante. Se ao menos o tivesse(s) guardado…
Ambos doem, inicialmente. Mas a resistência resulta do adestramento das emoções. Ao sofrimento vão-se seguindo apenas um arrepio frio e o vácuo. Como se o silêncio ou as palavras nele se perdessem, esquivando-me aos significados.
E se o silêncio tanto nos diz, porque não mantê-lo nessa liberdade de interpretações a bel-prazer? Granjear essa paz de não nos desnudarmos em palavras ou ruídos, nem sermos atacados por ambos?
Como dói o silêncio… tanto como por vezes a sua inoportuna falta.
É de ouro, certamente. Preservemos esse tesouro. Cantemos então o fado, deixemos correr o destino, mudo, em sinais dúbios.
Escutemos o que nos diz o nosso silêncio. Mesmo que o guardemos num segredo íntimo, como um troféu.
Eu possuo o silêncio. Tenho de o possuir. Desfruto-o, sem alternativa.
Oiço brisas e tempestades, gotas da chuva e ondas do mar, grãos de areia e granizo, plumas e folhas, aplausos e assobios, risos e gritos.
Porque tenho o silêncio comigo, já que as pedras não emitem ruídos por si; apenas quando embatem, quebram, magoam.

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