29 outubro 2008

Estórias e Crónicas (por Rosa Maria)

Eu cá não percebo muito de euribores, nem de capitais (Lisboa é uma e disso tenho a certeza); mas se bem me lembro, para o ano temos eleições. Assim de repente, mal começaram a pintar as passadeiras, lembrei-me logo...
E isso é bom. Não que mude grande coisa na vida da gente, já se sabe.
Nem toda a gente atravessa na passadeira, é mais onde calha... mas pelo menos o senhor Joaquim, o motorista da carreira do meio-dia e meia, está a ver?, já não se safa quando passa a arrasar ali na curva da farmácia, que até ia batendo no Fiat do filho da Ivone...
Mas, pronto, quando as passadeiras já se viam bem, lembrei-me das eleições e pensei com os meus botões:
- Rosa Maria, isto das eleições até é bom?! Bem vistas as coisas, agora é que é: vou lembrar à presidenta da Junta a ver se nos põe o tal do abrigo para a paragem da carreira.
Não sei se está a ver, com um tempo destes, a gente que já tem uma certa idade, pois que é assim mesmo, passamos ali umas belas rapas de frio. Se é dia de irmos pedir a receita do costume ao Dr. Vitorino, então nunca são menos de umas duas horas, ali à espera! Já se vê: hoje foi um desses dias. E eu que tinha ido alindar a minha banana ali à Laurinda, que mora seis casas abaixo da minha... Sempre gosto de ir compostinha quando vou ao médico, está a ver?... Foi escusado... com esta ventania, nem lhe conto. Claro está, que tentei arranjar o cabelo lá dentro do posto... Mas e depois? Quando fui para a paragem - quer dizer a gente sabe que é ali a paragem, há muitos anos - e fiquei lá uma hora a ver se passava o Augusto da Leanor, que tem dias que faz a volta da carrinha do pão mais ou menos a estas horas... olhe, para azar, hoje não apareceu.
E depois a gente aqui, não pode ir abrigar-se.
Os cafés já se sabe... pois há o da Ermelinda, mas só lá vai gente fina. É com cada carrão à porta... lembra-me sempre os ministros! Não estava a ver, eu com o cabelo todo desarranjado, ir-me pôr à vista daqueles doutores, pois não? No do Recreio, só lá estão homens de copo e garrafa na mão... É pena, sabe? Tem sempre o televisor ligado a gente sempre passava ali um bocadinho mais distraída...mas, está a compreender, aquilo nem se consegue ouvir a Fatinha. Isto os homens nunca deixam ouvir nada, já se sabe.
De maneira que estava ali a levar com o vento todo e pensei: não é tarde nem é cedo, Rosa Maria. O que a gente precisava aqui era dum abrigo para quando estamos à espera da carreira. Meti pés ao caminho e lá fui à Junta! Sim senhora! E cheguei lá, a deitar os bofes pela boca - já viu bem aqueles degraus? há uns anos subia-os eu bem, mas agora, com a idade é mesmo assim... E a lembrar-me dos dez euros que tinha deixado na Laurinda para me arranjar o cabelo... ai senhores!
E olhe, disse ao que ia. Que era uma vergonha não haver um abrigo nas paragens! A presidenta, não sei se de me ver naquele estado, não imagina a minha figura!, disse logo que sim senhora, ia falar disso na próxima assembleia, mas que tinha de sair porque vinha aí a carrinha da Santa Casa para a distribuição. O que é certo é que quando desci, estava de roda dumas caixas e com muitas pessoas com um mau aspecto... pois até devia ser do vento!
Com isto tudo, mal cheguei à passadeira - sim, que agora até se vê ao longe e tudo - já lá vinha o senhor Joaquim ao cimo: um bocadinho para o meio da estrada, que o problema dele nem era não se verem os riscos, agora tão pintadinhos! Estou desconfiada que ele anda a precisar de mudar de óculos. Mas já viu como é que uma pessoa agora pode? Pois não pode!
E coitado, parece que o filho ficou desempregado e foi lá para casa dele mais a mulher, que não conseguia pagar a renda...
Assim que me consegui subir para a carreira, disse logo ao senhor Joaquim: Elá, já falei com a presidenta da Junta e acho que vamos ter aqui um abrigo na paragem.
Parece-me que ele nem percebeu bem... se calhar também está mouco ou do barulho do carro mais a ventania... nem me respondeu.
Agora vamos ver, Rosa Maria, pensei eu, quanto tempo leva a fazer aqui uma casota em chapa ou cimento. Já fizeste a tua parte. Agora que façam a deles!