04 novembro 2008

Romance de hoje


Hoje, poupei-te à minha ironia, ao meu cepticismo crescente. Partilharia contigo de bom grado e até sentia necessidade de o fazer… mas, em vez disso, deixo-me ficar, aqui, em silêncio, ouvindo músicas atrás de músicas.
Hoje, não me quero fundir nelas, nem seria capaz mesmo. Detenho-me, indecisa, se hei-de permanecer no silêncio ou se este me perturba demais. Tal como hesitei bastante, em te abrir o coração e mostrar as minhas feridas, ou calar-me a respeito, sabendo tu, agora, o significado do meu silêncio.
Hoje, oiço novamente todas as músicas românticas, sem cantar ou vibrar. Apenas para me sentir fria, cicatrizada, descrente, para repor a perspectiva e afastar as ilusões, mais perniciosas do que a ausência de confiança. É um processo bastante simples: se não confiar, se não acreditar, não sinto a mágoa de me enganar, de errar, de ser enganada. Dói menos este antes do que o depois.
Hoje, falaram-me de temas nos quais percebi que já não acreditava e assustou-me até, como foi fácil chegar até aqui. Dizer-te que não creio mais no amor, no romance e no romântico seria revelar-te em quão pobre me transformei. Mas não é difícil ir desistindo dos sonhos, abdicando das ambições. Fica um vazio, é certo. Sinto-me oca, evidentemente.
Hoje, recordei que em tempos acreditei e fiz do sonho de amar e ser amada o objectivo maior da felicidade. Usei os meus sentidos, que são o modo como apreendemos o mundo e procurei o que tinha conseguido até agora, na perseguição do meu sonho. Nada, patavina… Porque o iria conseguir contigo, meu coração? Porquê agora? Que teria eu feito para merecer tamanha benesse?
Hoje, poupei-te a esta ironia, à amargura própria de quem perdeu os sonhos e a capacidade se sonhar. E não são as músicas que me fazem chorar, agora. Não as sinto dentro de mim, sequer. Já não as dedico a ti ou a outrem. São melodias, sons que embalam, que acalmam, nada mais. Despi-as a todas de significado, retirei-lhes a fantasia. Fui capaz de o fazer e isso arrepia-me. Apenas por isso choro, por ser capaz de largar o sonho, o último que mantive, por ser o mais importante para mim.
Hoje, meu amor, dir-te-ia que o amor não existe, que te enganas se te julgas apaixonado por mim. Não to disse, consciente que se assim o julgasses, terminarias como eu, que o ouvi tantas vezes. Vezes sem conta, não que o amor não exista, mas que não mora em mim. E desta forma me construí, na descrença, no cepticismo. Que exista, não tenho dúvidas, para mim não creio mais.
Hoje, não digo que não te amasse, como sempre. Até que eventualmente me corresponderias, no que não acredito e me recuso a acreditar. Porque o farias tu? E que felicidade te poderia eu dar se assim fosse? Por isso perdoa-me, meu coração, não querer precisar de ti, ter deixado de fantasiar, abandonar o romance… Não que não te ame, mas porque sei que tu não me amarás jamais. Não te iludas, coração. Eu deixei de o fazer. Não por mim, por ti. É a única forma que tenho de te amar, em silêncio, para que não me magoes se ousar acreditar que pretendes este romance, para que não te magoes sabendo que eu creio que poderíamos ser felizes, mas nunca o seremos juntos, eu sei. Não me esqueço e por assim ser…
Hoje poupei-te à minha ironia, ao meu cepticismo crescente. Partilharia contigo de bom grado toda a minha vida, todo o meu ser, mas não mereces tão pouco, tamanho vazio. Sou pouco, muito pouco, quase nada. Sem ti, sem os meus sonhos, sem a fantasia, sem a música. Nua, fria, gélida. Sem palavras para te dizer o quanto te quero. Vazia, oca.
Hoje, senti a falta do romance, de sempre e para sempre…

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