21 dezembro 2008

05 dezembro 2008

Babada


Eu e o Ruben estamos a chorar de tanto rir... e o pai está connosco.

15 novembro 2008

Tríptico

Chiquitita, tell me what's wrong
You're enchained by your own sorrow
In your eyes there is no hope for tomorrow
How I hate to see you like this
There is no way you can deny it
I can see that you're oh so sad, so quiet
Chiquitita, tell me the truth
I'm a shoulder you can cry on
Your best friend,
I'm the one you must rely on
You were always sure of yourself
Now I see you've broken a feather
I hope we can patch it up together
Chiquitita, you and I know
How the heartaches come and they go
and the scars they're leaving
You'll be dancing once again
and the pain will end
You will have no time for grieving
Chiquitita, you and I cry
But the sun is still in the sky
and shining above you
Let me hear you sing once more
like you did before
Sing a new song, chiquitita
Try once more like you did before
Sing a new song, chiquitita
So the walls came tumbling down
And your love's a blown out candle
All is gone and it seems too hard to handle
Chiquitita, tell me the truth
There is no way you can deny it
I see that you're oh so sad, so quiet
Chiquitita, you and I know
How the heartaches come and they go
and the scars they're leaving
You'll be dancing once again
and the pain will end
You will have no time for grieving
Chiquitita, you and I cry
But the sun is still in the sky
and shining above you
Let me hear you sing once more
like you did before
Sing a new song, chiquitita
Try once more like you did before
Sing a new song, chiquitita
Try once more like you did before
Sing a new song, chiquitita

11 novembro 2008

Bicho de conta


Conta-me tu, de que te escondes?
Que segredos e folguedos te enredam,
Que cadilhos e pecadilhos te enovelam,

De que te escondes, conta-me tu?
De todos os bichos e lixos que te rodeiam,
Do fulgor e do rubor que te encadeiam,

Conta-me tu, de que te escondes?
De que tanto te guardas e te resguardas,
Nesse rol das tuas muitas e muitas meadas,

De que te escondes, conta-me tu?
Sejas da toca, do mato ou da horta,
Sejas dobado ou derrubado, não importa,

Conta-me tu, de que te escondes?
Faz de conta que és um bicho torpe, somente,
Que conta que sejas conta aparente.

De que te escondes, conta-me tu?
Que simulas e dissimulas o teu ser,
Tanto bicho, como conta, o queres esconder.

Conta-me como ganhar a tua amizade,
E não fazer de conta não ter saudade,
De brincar ao faz de conta como tu.

10 novembro 2008

Corpo e Ritmo

Embalo o meu corpo, girando a cadeira, ao ritmo da música que oiço.
Queria dançar contigo.
Não te defino, não sei de quem é o corpo que queria sentir junto ao meu, agora. Sinto que me confortaria a alma deixar-me embalar nos braços de alguém, ao som da música. Só para sentir o conforto, a presença, o abraço.
Nem queria ouvir palavras doces, nem amargas, sorrir ou chorar. Apenas abandonar-me, num silêncio preenchido, perder-me noutro corpo que me faça esquecer o meu, ou simplesmente me recorde que ele existe.
Não seria o prazer que procuraria e talvez por isso tu te manténs indefinido. Carinho, consolo, carícia, um amplexo em movimento contínuo e amplo, sem segundas intenções.
Reconfortar-me-ia sentir-me assim, segura, tranquila, acalentada. O meu corpo entregue ao sabor do ritmo, amparado nessa sensação de ter alguém, ali, que não o deixa cair no vazio.
Perceber apenas o bater do coração, a respiração, o toque, o perfume, de olhos fechados. Dispensava as palavras, porque elas mentem mais do que queremos. Usamo-las a nosso belo prazer, para seduzir, para encantar, para despertar ou para magoar. Desperdiçamo-las, sempre, na tentativa de ocultar os sentimentos profundos, a nossa verdade. Manipulamos as nossas defesas, construindo e derrubando muros com palavras, vãs.
Prefiro o silêncio, então. Nele, quando ocupado pelas melodias, a imaginação arquitecta os mais belos castelos na areia e os arranha-céus que roçam as nuvens, perto do arco-íris. Deixa-me, assim, perder-me um pouco nesse sonho de espectaculares ocasos, horizontes cor-de-rosa, cor de fogo que me aquecem e me iluminam.
Dança comigo até que os primeiros raios de sol adivinhem, claros e brilhantes, um novo dia de forças renascidas dentro de mim, por te saber presente, ainda entre os meus braços. Que a aurora surpreenda o nosso íntimo, pintando com novas cores a tela da nossa vida.
Embala-me, sim, na escuridão da noite, como se fosse uma criança que acorda no meio de um pesadelo. Assevera-me, segurando-me bem forte entre ti, que tudo um dia vai passar e que todo o renascer vale a pena. Mas sem palavras, que elas mentem.
Agita-me, solta o ritmo que sinto dentro de mim e mostra-me que vibro, ainda. Permite-me, também, que por instantes me iluda e pense poder entregar-te o que sou, para que depositado, permaneça e não se esvaia no tempo.
Certifica-me que o meu rasto há-de sempre conduzir até mim, que não é tão indelével ou insignificante como as palavras me dizem. Calemo-las, porque sim, apenas.
Não com beijos que não é esse o amor que preciso de sentir agora. Esse eu já esqueci, nesse já não acredito mais, não quero acreditar. Careço de algo mais perene que somente o ritmo do corpo, mais complexo ainda do que o prazer imediato possa fazer esquecer.
Dancemos, juntos, ao som da mesma música, somente para sentir que ambos estamos aqui, na mesma sintonia, acompanhando-nos um ao outro no mesmo ritmo, em movimentos simétricos e articulados lentamente. Adivinhando, conduzindo, experimentando o prazer da companhia partilhada, do corpo enquanto alma.
Queria-te aqui, sem saber materializar-te no meu pensamento, para te poder oferecer todos os ritmos que o meu corpo vive e esconde, juntamente com a ideia de ti, dançando sozinha.

05 novembro 2008

Silêncio

Quantas vezes o silêncio nos diz tanto que se torna uma opção para nos escusarmos a desembrulhar as ideias encadeadas?
Solução confortável para manter o apaziguamento da alma, não fora o vazio que o acompanha. Não me apetece gastar palavras, emitir sons, divulgar pensamentos e sentimentos. Compreendo toda a inutilidade de o fazer, consciente que embatem em muros constantes e frios.
Cansada de o perceber, dorida da sensação de inexistência, também não quero mais ouvir nada. Desisto de esperar pelo que queria ouvir ou por ser ouvida. Vedo os meus sentidos ao que não quero mais tornar a sentir.
Como um treino, adquiro a capacidade de cada vez menos me surpreender com as sensações que me transmitem, habituo-me à mágoa que cada vez menos me magoa.
Imagino-me uma pedra, rígida, fria, insensível, muda e imutável, à qual por vezes se arrancam umas lascas, mas permanece o seu âmago, o seu núcleo forte e impenetrável. Cada estilhaço que parte de mim perde significado, dispersa-se e dissipa-se. Reduz-se a pó com o tempo.
Sei que não volta a pertencer-me, a fazer parte da minha integridade que se altera e se recompõe em cada ataque, velado ou directo.
E apenas sinto o frio e o vazio que percorre cá dentro, o silêncio e o eco. O eco de mim. Lembranças de cada minha partícula que abandonei ao considerá-la tão acessória e dispensável nos momentos em que se fragmentava, sem ruído sequer. Esses rumores repudiados que preservo como lição de persistência.
Ficam sussurrantes dentro do meu vazio, preenchendo-o de quem sou. Não os grito, nem os solto da prisão que lhes construí. Pertencem-me, protejo-os zelosamente. Enquanto meus, valem o meu mundo e o meu ser. Partilhados, perdem-se na ironia do desprezo.
E assim, encerrando todos os meus clamores no acolhimento do silêncio que respeito, cultivo-o. Não mostro mais de mim, escondo-me, ainda.
Penso o silêncio como a ausência de assunto partilhado, ou como mutismo de perplexidade quando rompido. Como condicionante. Se ao menos o tivesse(s) guardado…
Ambos doem, inicialmente. Mas a resistência resulta do adestramento das emoções. Ao sofrimento vão-se seguindo apenas um arrepio frio e o vácuo. Como se o silêncio ou as palavras nele se perdessem, esquivando-me aos significados.
E se o silêncio tanto nos diz, porque não mantê-lo nessa liberdade de interpretações a bel-prazer? Granjear essa paz de não nos desnudarmos em palavras ou ruídos, nem sermos atacados por ambos?
Como dói o silêncio… tanto como por vezes a sua inoportuna falta.
É de ouro, certamente. Preservemos esse tesouro. Cantemos então o fado, deixemos correr o destino, mudo, em sinais dúbios.
Escutemos o que nos diz o nosso silêncio. Mesmo que o guardemos num segredo íntimo, como um troféu.
Eu possuo o silêncio. Tenho de o possuir. Desfruto-o, sem alternativa.
Oiço brisas e tempestades, gotas da chuva e ondas do mar, grãos de areia e granizo, plumas e folhas, aplausos e assobios, risos e gritos.
Porque tenho o silêncio comigo, já que as pedras não emitem ruídos por si; apenas quando embatem, quebram, magoam.

04 novembro 2008

Romance de hoje


Hoje, poupei-te à minha ironia, ao meu cepticismo crescente. Partilharia contigo de bom grado e até sentia necessidade de o fazer… mas, em vez disso, deixo-me ficar, aqui, em silêncio, ouvindo músicas atrás de músicas.
Hoje, não me quero fundir nelas, nem seria capaz mesmo. Detenho-me, indecisa, se hei-de permanecer no silêncio ou se este me perturba demais. Tal como hesitei bastante, em te abrir o coração e mostrar as minhas feridas, ou calar-me a respeito, sabendo tu, agora, o significado do meu silêncio.
Hoje, oiço novamente todas as músicas românticas, sem cantar ou vibrar. Apenas para me sentir fria, cicatrizada, descrente, para repor a perspectiva e afastar as ilusões, mais perniciosas do que a ausência de confiança. É um processo bastante simples: se não confiar, se não acreditar, não sinto a mágoa de me enganar, de errar, de ser enganada. Dói menos este antes do que o depois.
Hoje, falaram-me de temas nos quais percebi que já não acreditava e assustou-me até, como foi fácil chegar até aqui. Dizer-te que não creio mais no amor, no romance e no romântico seria revelar-te em quão pobre me transformei. Mas não é difícil ir desistindo dos sonhos, abdicando das ambições. Fica um vazio, é certo. Sinto-me oca, evidentemente.
Hoje, recordei que em tempos acreditei e fiz do sonho de amar e ser amada o objectivo maior da felicidade. Usei os meus sentidos, que são o modo como apreendemos o mundo e procurei o que tinha conseguido até agora, na perseguição do meu sonho. Nada, patavina… Porque o iria conseguir contigo, meu coração? Porquê agora? Que teria eu feito para merecer tamanha benesse?
Hoje, poupei-te a esta ironia, à amargura própria de quem perdeu os sonhos e a capacidade se sonhar. E não são as músicas que me fazem chorar, agora. Não as sinto dentro de mim, sequer. Já não as dedico a ti ou a outrem. São melodias, sons que embalam, que acalmam, nada mais. Despi-as a todas de significado, retirei-lhes a fantasia. Fui capaz de o fazer e isso arrepia-me. Apenas por isso choro, por ser capaz de largar o sonho, o último que mantive, por ser o mais importante para mim.
Hoje, meu amor, dir-te-ia que o amor não existe, que te enganas se te julgas apaixonado por mim. Não to disse, consciente que se assim o julgasses, terminarias como eu, que o ouvi tantas vezes. Vezes sem conta, não que o amor não exista, mas que não mora em mim. E desta forma me construí, na descrença, no cepticismo. Que exista, não tenho dúvidas, para mim não creio mais.
Hoje, não digo que não te amasse, como sempre. Até que eventualmente me corresponderias, no que não acredito e me recuso a acreditar. Porque o farias tu? E que felicidade te poderia eu dar se assim fosse? Por isso perdoa-me, meu coração, não querer precisar de ti, ter deixado de fantasiar, abandonar o romance… Não que não te ame, mas porque sei que tu não me amarás jamais. Não te iludas, coração. Eu deixei de o fazer. Não por mim, por ti. É a única forma que tenho de te amar, em silêncio, para que não me magoes se ousar acreditar que pretendes este romance, para que não te magoes sabendo que eu creio que poderíamos ser felizes, mas nunca o seremos juntos, eu sei. Não me esqueço e por assim ser…
Hoje poupei-te à minha ironia, ao meu cepticismo crescente. Partilharia contigo de bom grado toda a minha vida, todo o meu ser, mas não mereces tão pouco, tamanho vazio. Sou pouco, muito pouco, quase nada. Sem ti, sem os meus sonhos, sem a fantasia, sem a música. Nua, fria, gélida. Sem palavras para te dizer o quanto te quero. Vazia, oca.
Hoje, senti a falta do romance, de sempre e para sempre…

Mar de Emoções

Hoje estás longe, mas quero acreditar que estás perto.
Oiço as músicas que me acalmam e substituem as tuas palavras, as nossas conversas. Substituem-nas, verdadeiramente?
Não sei, como não sei porque sinto a tua falta. Não a quero sentir, sabes? Admitir que vieste dar um novo brilho à minha vida. Não me sinto uma estrela, não sei ainda se tenho luz própria ou se esta existe nos olhos dos que me vêm. Talvez por isso, sinta a tua falta pela luz que me transmites e me fazes reflectir.
Sei que existia já dentro de mim. Não fizeste nascer nada de novo, apenas descobriste o que continha. Daí que pense que talvez, a luz própria da minha estrela não subsista sem o teu olhar. Por isso, não quero sentir a tua falta, para que a luz não se oculte na sombra.
Como vês, é puro egoísmo esta saudade…
Contudo, fizeste-me acreditar em mim, ouvir os meus sons, a minha melodia. Sei que hão-de ecoar, ainda, em ambos, e em mim.
Até que estes se silenciem, hei-de ouvir as músicas que me acalmam, como se fossem palavras tuas. Transformaste-me num mar de emoções, tão depressa brando como agitado, como as águas em que navegas agora, sob a luz das estrelas. As mesmas que, mudas, assistiram aos nossos diálogos, ao desenvolvimento da nossa amizade, ora forte e intensa, como uma tempestade no mar, ora suave e terna, como uma onda a beijar a areia, na maré baixa.
É assim que somos, ambos, estrelas de constelações próximas que se acompanham, quase se tocam, por vezes cruzam-se, mas não se encontram. Antes repartem entre si o reflexo do seu brilho, para poder rejubilar e resplandecer com a luminosidade da outra.
E assim, em conjunto, semelhantes, ambos à procura do rumo a seguir. Olhamos as estrelas e perguntamo-nos se o brilho que sentimos existe, subsiste, certos que do outro lado estará o outro qual estrela do Norte, assegurando-nos que o caminho está certo e iluminado.
Aqui, hoje sem ti, até porque algum dia teremos de partir da vida de cada um, ficando apenas a recordação do que partilhámos, oiço as músicas que tu não me cantas. Ainda assim, feliz pela oportunidade de brevemente poder pertencer à tua vida e alumiar o teu espírito da mesma forma que o fazes comigo. Certa de que as dançaríamos com prazer, num abraço amigo…com que poderás contar sempre que quiseres e precisares, e a que também poderás dizer adeus e até sempre, se e quando a altura chegar, sem mágoas, nem ressentimentos, porque é assim que sabemos ser um com o outro.
No entanto, a música terminou agora e fica o silêncio. Reproduzo ainda interiormente todos os sons que partilhámos. Pergunto-me, o que me fizeste? Porque me mostraste tanto se não mo podias entregar por completo? Esperaria tornar-me essencial a ti, ocupar-te os pensamentos, não com as formas como me poderias fazer feliz, mas antes com a possibilidade de eu ser a resposta que procuras. Pensei tentar sê-lo, cativar-te, preencher-te. Conheço-te bem demais para antecipar a tua fuga mais rápida. Deverei ser constante? Frequente? Mostrar-te o quanto me importo? Merecerá a pena?
Conheço os teus métodos, as tuas estratégias, quem tu és. Por saber que agirias assim e que isso me denunciaria, retenho-me.
Fazes-me falta. Mas tenho de te dar espaço para que percebas se eu também te faço falta. Adivinho que não e por isso paro as músicas. Todas elas. Não te quero ouvir mais; mais uma vez quero esquecer-te após me lembrares o quanto és capaz de me preencher. Farei o que já fiz antes, contigo também. Guardar-te-ei bem fundo na minha memória. Tão fundo quanto a amnésia.
Como posso eu lembrar os nossos momentos sem mágoa por não passarem disso? Silencio as músicas porque já não me acalmam. Doem-me na tua ausência, principalmente porque acho que não voltarás a estar presente. Será melhor assim, saberás.
Não quero ocupar um lugar de relevo no teu pensamento. Se assim for, terás de admitir que sou algo mais forte do que pensas. E não o serei. Por definição tua.
Confundes-me com a tua atenção. Sentes isso também, mas ainda assim te manténs constante. Não o faças mais se não te sentires capaz de ir mais além.
O silêncio esclarece-me agora. Não estás desse lado, nem me acompanham as músicas que me acalmam. Estou só, comigo. Como antes.
Espreito pela janela. Vejo-te, uma estrela cadente na qual expressei um desejo calado que não se realizou.
Sinto-me um oceano, vasto, imenso. Fria, sem ti. Não te perdi sequer; mais uma vez não te consegui ter. Não quero ser a vaga que se abate constantemente sobre a falésia, esculpindo-a, rasgando-a. Preferia ser a onda que te embala, ora doce, ora agitada, de acordo com os teus sentidos. Deixar-me eu própria embalar pela tua maré.
Partirás de mim, sem rumo definido, talvez só pelo prazer de partir sem rumo definido. E eu, novamente, deixar-te-ei partir.
Mas é assim que somos, tu e eu. Amamos livres. À deriva…

02 novembro 2008

Viagem

Pela estrada escura, conduzo ao som da música calma da rádio. O breu é rasgado pelas luzes dos faróis, da mesma forma que o silêncio apenas é cortado pela melodia que invade o espaço.
Ocasionalmente, um veículo em sentido contrário ofusca-me com os seus máximos, momentos antes de os mudar.
Sinto-me em paz, com vontade de continuar a viagem, seguir sem rumo, como se todos os caminhos me levassem até ti e não me importasse com isso.
Vejo a paisagem passar por mim, não muito rapidamente e recordo-te, passageiro.
Sei-me solitária, penetrando na escuridão da noite, iluminada pelas luzes do carro, as estrelas que brilham alto no céu e acompanham o luar. Não falo comigo, nem contigo. Deixo-me ouvir a música, apenas, como se fossem aquelas notas que me ditassem a direcção a tomar. Não me detenho na letra, no significado nas palavras; somente a melodia que me embala e me conforta.
Esqueço os pensamentos e até a ti te olvido, como se ficasses para trás, junto com as árvores por que passo. E no entanto, sinto-me como se fosse até ti, te encontrasse, finalmente.
Penso em não parar, seguir ao sabor do rumo que escolher, instintivamente. Como se o meu destino fosse esta estrada que percorro na noite. Como se o meu caminho desembocasse nos teus braços.
Mas prefiro esquecer o teu silêncio, a tua hesitação. Fico a ouvir a música, vendo a estrada sem fim. Não me apetece chegar, nem partir. Apenas continuar, em diante, perseguindo a lua e as estrelas até que o sol surja no horizonte, num novo dia igual ao outro que findou e ao que há-de vir, depois.
Perder-me, sim, quero perder-me. Já que não em ti, ou por ti, mas por esses caminhos. Não voltar atrás. Descobrir o que está para a frente, recomeçar de um novo ponto de partida.
Desinteresso-me por percursos, rotas, trajectos, planos. Apetece-me o abismo que a noite me oferece, trilhando a estrada, sozinha, ao som da música. Enfrento os medos, os fantasmas, as alucinações, como se no final do caminho encontrasse um fabuloso nascer do sol, cuja luminosidade me contagiasse a vida e esta fosse a última treva que vivo.
E que nesse ponto, no fascínio de um novo dia, numa nova paisagem, tudo fosse novamente possível, tudo recomeçasse, sem final previsto, sem ocaso, crepúsculo ou escuridão. Redescubro a nitidez, abandono a obscuridade num amanhecer imutável, perene, como se o tempo parasse ali de forma eterna e me cristalizasse no recomeço. Sem erro, sem passado, nem sequer futuro. Somente o momento da aurora, do reinício.
Passo a passo, metro a metro, regresso. Pretendo regressar e tornar a partir, vezes sem conta, em viagens desconhecidas, familiares. Ausentar-me e estar presente, perder-me e reencontrar-me, terminar e inaugurar. Viajar, no tempo, em mim, nos outros, na estrada, no mar, no ar e no éter. Perseguir o devir, uma e outra vez, nessa busca infrutífera mas desfrutada.
Encontro o meu olhar no espelho que me indica o final da jornada, desta jornada.
Abrando a velocidade, chego novamente com a certeza que tornarei a ir, demandando novos horizontes ainda que se convertam em utopias ou em entropias.
O percurso interrompe-se, repetidamente. Ora, circuito, ora vórtice, sei que está ali por descobrir, que me aguarda e que devo seguir todos os rumos que se me oferecem nesta viagem como em todas.
A escuridão permanece ainda, maior com as luzes desligadas. No céu, a lua e as estrelas cintilam, indiferentes à minha rota, ou ao meu destino. Sorriem da minha insistência em o procurar, mas não me dizem para desistir.
Olhando, uma última vez, essas companheiras de viagem, entendo que me incentivam com a sua presença constante. Também elas recomeçam, dia após dia, noite após noite, o seu trajecto no universo. Não por mim, não para que as observe e me sinta acompanhada ou para me motivar, mas por que assim é.
E nessa mensagem de tenacidade e preserverança, compreendo que espero o momento em que a sucessão dos acontecimentos esteja nas minhas mãos e perca a sua imutabilidade. Na consciência de que inalteráveis no seu esplendor, se manterão para sempre, companheiras de viagem, sussurro-lhes a minha fidelidade, independentemente do meu ponto de observação.

29 outubro 2008

Estórias e Crónicas (por Rosa Maria)

Eu cá não percebo muito de euribores, nem de capitais (Lisboa é uma e disso tenho a certeza); mas se bem me lembro, para o ano temos eleições. Assim de repente, mal começaram a pintar as passadeiras, lembrei-me logo...
E isso é bom. Não que mude grande coisa na vida da gente, já se sabe.
Nem toda a gente atravessa na passadeira, é mais onde calha... mas pelo menos o senhor Joaquim, o motorista da carreira do meio-dia e meia, está a ver?, já não se safa quando passa a arrasar ali na curva da farmácia, que até ia batendo no Fiat do filho da Ivone...
Mas, pronto, quando as passadeiras já se viam bem, lembrei-me das eleições e pensei com os meus botões:
- Rosa Maria, isto das eleições até é bom?! Bem vistas as coisas, agora é que é: vou lembrar à presidenta da Junta a ver se nos põe o tal do abrigo para a paragem da carreira.
Não sei se está a ver, com um tempo destes, a gente que já tem uma certa idade, pois que é assim mesmo, passamos ali umas belas rapas de frio. Se é dia de irmos pedir a receita do costume ao Dr. Vitorino, então nunca são menos de umas duas horas, ali à espera! Já se vê: hoje foi um desses dias. E eu que tinha ido alindar a minha banana ali à Laurinda, que mora seis casas abaixo da minha... Sempre gosto de ir compostinha quando vou ao médico, está a ver?... Foi escusado... com esta ventania, nem lhe conto. Claro está, que tentei arranjar o cabelo lá dentro do posto... Mas e depois? Quando fui para a paragem - quer dizer a gente sabe que é ali a paragem, há muitos anos - e fiquei lá uma hora a ver se passava o Augusto da Leanor, que tem dias que faz a volta da carrinha do pão mais ou menos a estas horas... olhe, para azar, hoje não apareceu.
E depois a gente aqui, não pode ir abrigar-se.
Os cafés já se sabe... pois há o da Ermelinda, mas só lá vai gente fina. É com cada carrão à porta... lembra-me sempre os ministros! Não estava a ver, eu com o cabelo todo desarranjado, ir-me pôr à vista daqueles doutores, pois não? No do Recreio, só lá estão homens de copo e garrafa na mão... É pena, sabe? Tem sempre o televisor ligado a gente sempre passava ali um bocadinho mais distraída...mas, está a compreender, aquilo nem se consegue ouvir a Fatinha. Isto os homens nunca deixam ouvir nada, já se sabe.
De maneira que estava ali a levar com o vento todo e pensei: não é tarde nem é cedo, Rosa Maria. O que a gente precisava aqui era dum abrigo para quando estamos à espera da carreira. Meti pés ao caminho e lá fui à Junta! Sim senhora! E cheguei lá, a deitar os bofes pela boca - já viu bem aqueles degraus? há uns anos subia-os eu bem, mas agora, com a idade é mesmo assim... E a lembrar-me dos dez euros que tinha deixado na Laurinda para me arranjar o cabelo... ai senhores!
E olhe, disse ao que ia. Que era uma vergonha não haver um abrigo nas paragens! A presidenta, não sei se de me ver naquele estado, não imagina a minha figura!, disse logo que sim senhora, ia falar disso na próxima assembleia, mas que tinha de sair porque vinha aí a carrinha da Santa Casa para a distribuição. O que é certo é que quando desci, estava de roda dumas caixas e com muitas pessoas com um mau aspecto... pois até devia ser do vento!
Com isto tudo, mal cheguei à passadeira - sim, que agora até se vê ao longe e tudo - já lá vinha o senhor Joaquim ao cimo: um bocadinho para o meio da estrada, que o problema dele nem era não se verem os riscos, agora tão pintadinhos! Estou desconfiada que ele anda a precisar de mudar de óculos. Mas já viu como é que uma pessoa agora pode? Pois não pode!
E coitado, parece que o filho ficou desempregado e foi lá para casa dele mais a mulher, que não conseguia pagar a renda...
Assim que me consegui subir para a carreira, disse logo ao senhor Joaquim: Elá, já falei com a presidenta da Junta e acho que vamos ter aqui um abrigo na paragem.
Parece-me que ele nem percebeu bem... se calhar também está mouco ou do barulho do carro mais a ventania... nem me respondeu.
Agora vamos ver, Rosa Maria, pensei eu, quanto tempo leva a fazer aqui uma casota em chapa ou cimento. Já fizeste a tua parte. Agora que façam a deles!